LIVRO FANTÁSTICO AQUI AS DUAS PRIMEIRAS PAGINAS; COMPREM. VALE A
PENA
Tentemos lavar um pouco mais
nossos miolos.1
Em 2000, o centésimo aniversario da publicação de A interpretação
dos sonhos de Freud foi
acompanhado por uma nova onda de proclamações triunfalistas a respeito da morte
da psicanálise: com os novos avanços das ciências do cérebro, ela está
enterrada onde sempre deveria ter estado, no quarto de despejo das buscas
pré-científicas e obscurantistas de significados ocultos, ao lado de
confessores religiosos e intérpretes de sonhos. Como diz Todd Dufresne,2
nenhuma figura na história do pensamento humano esteve mais errada acerca de
todos os seus fundamentos - com exceção de
Marx, acrescentariam alguns. Era de se esperar que em 2005 o escandaloso Livro negro do
comunismo,3 listando todos os crimes comunistas, fosse seguido
pelo Livro
negro da psicanálise, que
listava todos os erros teóricos e as fraudes clínicas dos psicanalistas.4
Dessa maneira negativa, pelo menos, a profunda solidariedade entre o marxismo e
a psicanálise é agora exibida à vista de todos.
Há algum
sentido nessa oratória fúnebre. Um século atrás, para situar sua descoberta do
inconsciente na história da Europa moderna, Freud desenvolveu a ideia de três
humilhações sucessivas sofridas pelo homem, as três “doenças narcísicas", como as chamou. Primeiro
Copérnico demons
trou que a Terra gira em torno do Sol, e assim privou-nos a
nós, seres
humanos, do lugar central no Universo. Depois Darwin demonstrou que emergimos da evolução cega,
e nos tomou nosso lugar de honra entre os seres vivos. Finalmente, quando
Freud descobriu o papel predominante do inconsciente em processos psíquicos,
revelou-se que nosso eu não manda nem mesmo em sua própria casa. Hoje, um
século depois, um quí3rol5ÍaiTimplãcâwrêstaremergindo. Os últimos avanços
científicos parecem infligir uma série de humilhações adicionais à imagem
narcísica do homem: nossa mente é uma mera máquina de calcular, processando
dados; nosso senso de liberdade e autonomia é a ilusão do usuário dessa
máquina. À luz das ciências do cérebro, a própria psicanálise, longe de ser
subversiva, parece antes pertencer ao campo humanista tradicional ameaçado
pelas mais recentes humilhações.
Assim, será que a psicanálise está realmente obsoleta em nossos dias?
Parece que sim, em três níveis interligados: i) o do conhecimento científico,
em que o modelo cognitivista- neurobiológico da mente humana parece suplantar o
modelo freudiano; 2) o da clínica psiquiátrica, em que o tratamento
psicanalítico está perdendo terreno rapidamente para pílulas e terapia
comportamental; 3) o do contexto social, em que a imagem freudiana de uma
sociedade e de normas sociais que reprimem as pulsões sexuais do indivíduo não
soa mais como uma explicação válida para a permissividade hedonística que hoje
predomina.
Apesar disso, no caso da psicanálise o funeral talvez seja prematuro,
celebrado para um paciente que ainda tem uma vida longa pela frente. Em
contraste com as verdades "evidentes” abraçadas pelos críticos de Freud,
meu objetivo é deiíionstrar que
só hoje o tempo da psicanálise está chegando. Vistos através dos olhos de Lacan, através do que Lacan chama de seu "retorno a
Freud”, os insights fundamentais de Freud emergem finalmente em sua verdadeira dimensão.
Lacan compreendeu- esse retorno como um retorno não ao que Freud disse, mas ac* âmago da revolução freudiana, da qual o próprio Freud
nãa tinha plena consciência.
Lacan
iniciou seu "retorno a Freud” com a leitura lir guística de todo o
edifício psicanalítico, sintetizada no que é talvez sua fórmula isolada mais
conhecida: "O incon: ciente está estruturado como uma linguagem!’ A percepçã« predominante do inconsciente é a
de que ele é o domíni-
das pulsões irracionais, algo
oposto ao eu consciente e r cional. Para Lacan, essa noção do inconsciente
pertence Lebensphilosophie
(filosofia de vida) romântica e nada tei a ver com Freud. O inconsciente
freudiano causou tarr nho escândalo não por
afirmar que o eu racional está s bordinado ao domínio muito mais vasto dos
instintos racionais cegos, mas porque demonstrou como o própr inconsciente
obedece à sua própria gramática e lógica: inconsciente fala e pensa. Q inconsciente não é
terre: exclusivo de pulsões violentas que
devem ser domadas pelo mas
o lugar onde uma verdade traumática fala abertamer Aí reside a versão de Lacan do moto de Freud Wo es war,. ick werãen (Onde isso estava, devo advir): não "O eu deve
conquistar o isso”, o lugar das pulsões inconscientes, mas ‘ deveria ousar me
aproximar do lugar de minha verdade’ que me espera "ali” não
é uma Verdade profunda com a c devo me identificar, mas uma verdade insuportável co qual devo aprender a
viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário