sexta-feira, 7 de setembro de 2012








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Tentemos lavar um pouco mais nossos miolos.1
Em 2000, o centésimo aniversario da publicação de A in­terpretação dos sonhos de Freud foi acompanhado por uma nova onda de proclamações triunfalistas a respeito da morte da psicanálise: com os novos avanços das ciências do cére­bro, ela está enterrada onde sempre deveria ter estado, no quarto de despejo das buscas pré-científicas e obscurantistas de significados ocultos, ao lado de confessores religiosos e intérpretes de sonhos. Como diz Todd Dufresne,2 nenhuma figura na história do pensamento humano esteve mais errada acerca de todos os seus fundamentos - com exceção de Marx, acrescentariam alguns. Era de se esperar que em 2005 o es­candaloso Livro negro do comunismo,3 listando todos os crimes comunistas, fosse seguido pelo Livro negro da psicanálise, que listava todos os erros teóricos e as fraudes clínicas dos psi­canalistas.4 Dessa maneira negativa, pelo menos, a profunda solidariedade entre o marxismo e a psicanálise é agora exi­bida à vista de todos.
Há algum sentido nessa oratória fúnebre. Um século atrás, para situar sua descoberta do inconsciente na história da Europa moderna, Freud desenvolveu a ideia de três hu­milhações sucessivas sofridas pelo homem, as três “doenças narcísicas", como as chamou. Primeiro Copérnico demons­
trou que a Terra gira em torno do Sol, e assim privou-nos a


nós, seres humanos, do lugar central no Universo. Depois Darwin demonstrou que emergimos da evolução cega, e nos tomou nosso lugar de honra entre os seres vivos. Final­mente, quando Freud descobriu o papel predominante do inconsciente em processos psíquicos, revelou-se que nosso eu não manda nem mesmo em sua própria casa. Hoje, um século depois, um quí3rol5ÍaiTimplãcâwrêstaremergindo. Os últimos avanços científicos parecem infligir uma série de humilhações adicionais à imagem narcísica do homem: nossa mente é uma mera máquina de calcular, processando dados; nosso senso de liberdade e autonomia é a ilusão do usuário dessa máquina. À luz das ciências do cérebro, a própria psi­canálise, longe de ser subversiva, parece antes pertencer ao campo humanista tradicional ameaçado pelas mais recentes humilhações.
Assim, será que a psicanálise está realmente obsoleta em nossos dias? Parece que sim, em três níveis interligados: i) o do conhecimento científico, em que o modelo cognitivista- neurobiológico da mente humana parece suplantar o modelo freudiano; 2) o da clínica psiquiátrica, em que o tratamento psicanalítico está perdendo terreno rapidamente para pílulas e terapia comportamental; 3) o do contexto social, em que a imagem freudiana de uma sociedade e de normas sociais que reprimem as pulsões sexuais do indivíduo não soa mais como uma explicação válida para a permissividade hedonística que hoje predomina.
Apesar disso, no caso da psicanálise o funeral talvez seja pre­maturo, celebrado para um paciente que ainda tem uma vida longa pela frente. Em contraste com as verdades "evidentes” abraçadas pelos críticos de Freud, meu objetivo é deiíionstrar que só hoje o tempo da psicanálise está chegando. Vistos atra­vés dos olhos de Lacan, através do que Lacan chama de seu "retorno a Freud”, os insights fundamentais de Freud emergem finalmente em sua verdadeira dimensão. Lacan compreendeu- esse retorno como um retorno não ao que Freud disse, mas ac* âmago da revolução freudiana, da qual o próprio Freud nãa tinha plena consciência.
Lacan iniciou seu "retorno a Freud” com a leitura lir guística de todo o edifício psicanalítico, sintetizada no que é talvez sua fórmula isolada mais conhecida: "O incon: ciente está estruturado como uma linguagem!’ A percepçã« predominante do inconsciente é a de que ele é o domíni- das pulsões irracionais, algo oposto ao eu consciente e r cional. Para Lacan, essa noção do inconsciente pertence Lebensphilosophie (filosofia de vida) romântica e nada tei a ver com Freud. O inconsciente freudiano causou tarr nho escândalo não por afirmar que o eu racional está s bordinado ao domínio muito mais vasto dos instintos racionais cegos, mas porque demonstrou como o própr inconsciente obedece à sua própria gramática e lógica: inconsciente fala e pensa. Q inconsciente não é terre: exclusivo de pulsões violentas que devem ser domadas pelo mas o lugar onde uma verdade traumática fala abertamer Aí reside a versão de Lacan do moto de Freud Wo es war,. ick werãen (Onde isso estava, devo advir): não "O eu deve conquistar o isso”, o lugar das pulsões inconscientes, mas ‘ deveria ousar me aproximar do lugar de minha verdade’ que me espera "ali” não é uma Verdade profunda com a c devo me identificar, mas uma verdade insuportável co qual devo aprender a viver.

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