TENTEI LER ESSE LIVRO
Chimpanzés, Aves, Sexo e Traição
Estava lendo ontem “O Terceiro
Chimpanzé”, de Jered Diamond. No entanto, seu livro mais famoso, ao menos por
aqui, é “Armas, Germes e Aço”, que descreve o início da história humana
buscando responder a interessantes perguntas tais como “por que foram os europeus
que dominaram a América e não o contrário?”. Em essência, é sustentada a tese
de uma espécie de determinismo geográfico como o motivador fundamental. Coisas
como o fato de não haver, na África, apesar da diversidade e fauna e flora,
muitos animais e plantas domesticáveis. Ao contrário do que ocorreria com a
região da Eurásia. Ele rejeita, com isso, a tese oposta, a de que haveria algo
inato ou “racial” nos povos dominadores em relação aos dominados. Não deixa de
ser uma espécie de tese politica e socialmente correta, mas achei bastante
convincente o que li, ainda mais porque tudo é bem sustentado e fundamentado.
Sugiro a leitura.
Já “O Terceiro Chimpanzé” busca
explicar porque apenas esse terceiro chimpanzé – nós humanos, sendo, os outros
dois, o chimpanzé típico e os bonobos, ou chimpanzés pigmeus – evoluiu da forma
como evoluímos. E nossos irmãos mais próximos não. Ou melhor, não desenvolveram
um intelecto complexo como o nosso. Em suma, ele agora volta-se à pré-história.
E não mais à história, como em “Armas, Germes e Aço”. E ao falar dos três
chimpanzés, Diamond dedica um bom espaço à questão da sexualidade. Mas esse
também é o tema principal de “Sex at Dawn”, e obviamente, a comparação é
inevitável. E agora, lendo a Folha de São Paulo pela internet, me deparo com
uma notícia sobre “ciências” com o título “Passarinha trai por causa de
genes herdados do pai“. Sempre os homens.
Em todos esses casos há a tentativa
de buscar explicações a comportamentos sexuais, e que eu diria serem uma
tentativa de obter referencias externos para descobrir quais comportamentos
sexuais (humanos) são inatos ou naturais, e quais seriam culturalmente construídos.
O grande problema nisso está, obviamente, na isenção do observador, que,
obviamente também, somos nós. E então esbarramos no eterno problema de tentar
erguer-se do chão puxando-se pelos cabelos: a busca pelo ponto de observação o
mais isento possível. E tanto Diamond como os observadores alemães dos
passarinhos mostram um viés flagrante. Neste caso, já começa pelo título:
“Passarinha trai por (…)”. “Trair” é um termo carregado que já supõe uma
espécie de pré acordo, e a explicação genética parace sugerir que, não fossem
os gens, elas não “trairiam”. Pois, como lemos na notícia, “Saber o motivo de
as fêmeas traírem seus parceiros monogâmicos sempre foi um mistério da
biologia; já é consenso antigo o porquê de os machos pularem a cerca.”. O tal consenso
diz que os machos – nós homens incluídos – queremos espalhar ao máximo nossos
gens, ao passo que elas, muito mais conscientes e cuidadosas, devem pensar na
prole e no custo “pessoal” envolvido nisso. Para as fêmeas então, a biologia
não consegue entender porquê elas poderiam “trair”. E é isso que parece não ter
explicação. Aliás, é esse o foco na notícia da infiel passarinha.
Mas afinal, como uma mulher
pré-histórica poderia dar-se ao luxo seja de engravidar solteira ou de meter-se
em relações extra-conjugais – sem antes ter a certeza de que o macho
pré-histórico estaria apto e disposto a ajudá-la nos cuidados para com a prole
num mundo tão hostil, ou mesmo por a perder essa proteção ao “trair”? Claro
estaria então que as mulheres apenas traem quando os homens não correpondem. Se
nós homens fôssesmos mais sensíveis, dedicados e carinhosos, o amor seria lindo
como de fato deve ser. Sacanagem com essa passarinha, esses gens perversos a
fazem trair. Nesse aspecto, em “O Terceiro Chimpanzé” Diamond comete esse mesmo
erro, qual seja, o de idolatrar seu modelo e não seus dados. Como dito na
reportagem dos passarinhos, a biologia simplesmente não entende porque as
fêmeas traem.
Há de fato dois pontos aqui:
primeiro, esta inexplicável traição. Segundo, identificar o que pode ser tomado
como referência. Plantas, por exemplo, não parecem ter muito a nos contar sobre
sexualidade. Insetos, répteis peixes e anfíbios, ainda que um pouco melhor do
que plantas, também não parecem ser uma boa referência. Mas e aves, porque
seriam melhores do que ratos? Ah! Por que em aves observa-se com mais
frequência o comportamento monogâmico, ainda que não como o nosso, dado que os
seres humanos são os únicos animais que apresentam esse comportamento de forma
inequívoca, tão extremada e forte.
Chimpanzés e bonobos, estes nossos
parentes mais próximos em termos genéticos – nossa estrutura genética difere da
dos bonobos em apenas 1,5% – são más referências: eles apresentam um
comportamento fortemente poligâmico (muitos machos para muitas fêmeas, e não no
sentido de formarem haréns). Ou seja, formar pares de machos e fêmeas não é com
eles. Para um bonobo, formar um “par sexual” é algo tão sem nexo quanto seria
para nós “mijar-mos em pares”. Então as aves são, com certeza, melhor referência.
Afinal, com algum esforço, ou então quebrando um ou outro paradigma, há de fato
pouca coisa que faz com que os seres humanos sejam lá muito diferentes das aves
afinal, não é mesmo?
Diamond traz outro fato que justifica
descartar bonobos e chimpanzés como referências: nos praticamos o ato sexual
privadamente e eles não. Estão pouco se lixando. As aves também, mas isso é só
um detalhe. Fora isso, somos muito parecidos com as aves no que de fato
importa: somos monogâmicos. O resto beira a irrelevância. E então, se a
passarinha pudesse dar-se conta do que faz, ela jamais trairia seu marido. Como
nossas mulheres e como os homens humanos conscientes e equilibrados. E Helen
Fisher está coberta de razão, não é à toa que ela é citada no fabuloso
“Comer, Rezar e Amar”, escrito pela intelectual Liz Gilbert.
Ei, Dr. Diamond, nós também não
fazemos algumas das nossas “necessidades fisiológicas” em público. Digo
algumas, porque todo mundo espirra em qualquer lugar, tosse, come e bebe. Mas
aquelas em que somos obrigados a expor nossas ditas partes íntimas, aí não.
Talvez, veja bem, apenas talvez, haja aí algo em comum. Se mijássemos pelos
dedos, talvez os banheiros na forma de recintos fechados tivessem um uso mais
limitado. Nem aves, nem chimpanzés ou bonobos, nem cachorros, peixes e seja lá
o que for parece dar muita bola prá isso. Luz amarela sobre esse argumento, Dr.
Diamond.
Mas há outra hipótese tida como
evidente que torna a “traição” feminina inexplicável: a necessidade de certeza
da paternidade. De fato os machos, homens incluídos, ainda que tenham o
“objetivo evolutivo” de espalhar o maior número de gens por aí, também exigem
que os decendentes por quem eles dedicarão esforço sejam seus. Isso parece
óbvio, não? Por um lado, ao ser pega traindo, o macho então a abandonaria pois
passaria a suspeitar fortemente que aquela prole pode não ser sua. Por outro,
se uma fêmea solteira engravidar, como o macho que fez sexo com ela poderá
saber que são deles os descendentes, dado que ela poderia ter tido sexo com
qualquer outro macho? É mulheres, a biologia diz simplesmente que vcs deveriam
ter tanta vontade de trair quanto de comer pedra.
Uma explicação para esse
comportamento está em que não necessariamente o macho disposto a dedicar seu
esforço na proteção e cuidado para com a prole deve ser necessariamente o que
dá sinais de ter bons gens. O que faria com que elas tentassem obter sempre o
melhor dos mundos: o melhor protetor (o otário com quem vc casou) e o melhor
reprodutor (seu vizinho garanhão). Mas que comportamentozinho sem vergonha
hein! Bem, pelo menos em termos de caráter vcs seriam tão deploráveis quanto
nós homens. Somos uma espécie encantadora!
O que logo salta aos olhos aqui é o
nível especulativo a que se chega, o que parece fazer de nossos gens seres
maquiavélicos capazes de impor estratégias não apenas ultra sofisticadas, como
ainda fazem isso de forma subreptícea, inconsciente. Deus é foda mesmo. Talvez
seja o caso de passar a dar mais amor aos dados e divorciar-se do modelo. A
certeza de paternidade, por exemplo, é uma hipótese que está mais para uma
teoria da conspiração do que qualquer outra coisa. Em primeiro lugar, ela exige
que a relação causal entre sexo e reprodução seja óbvia e consciente,
constatada desde os tempos em que tínhamos um intelecto levemente superior aos
dos chimpanzés e bonobos. Toda criança e mesmo todo animal nasce sabendo disso,
só pode. Mal éramos capazes de usar pedras e paus, mas, ao trepar, sabíamos:
vou ter sexo com essa fêmea, obvimente de forma privada (para não ter vergonha
e não broxar) ela será fertiizada e então sim, posso dedicar-me à prole. E ela
idem.
É também interessante como essa
estratégia é burra. Imagine que há 20 machos e 20 fêmeas, que formam pares e
vivem em uma comunidade pré-histórica. Todos os pré-humanos vivendo
harmoniosamente, cuidando de suas casas, vendo TV enquanto cuidam de seus
bebês. Então um macho vai ao supermercado natural caçar e, em lugar de voltar
com uma peça de filé mignon, é o brontosauro que acaba levando o jantar prá
casa. A fêmea estará fodida, pois seus vizinhos pré-históricos estão pouco se
lixando. Afinal, nenhum macho vai cuidar daqueles bebês, uma vez que não são
seus.
Ou então a fêmea, enquanto arruma a
casa e cuida de seus bebês, é assaltada pelo brontosauro que estava à espreita
esperando a polícia sair. Por que seus vizinhos correriam algum risco dado que
devem priorizar a sua prole e casas, e que não está sendo ameaçada pelo bandido
brontosauro? Quem, em sã consciência enfrentaria com uma pedra na mão um bicho
que fosse como um leão de 3 toneladas? Não sei como sobrevivemos. Deve ter
havido uma ajudazinha divina nessa história.
Ou talvez a certeza de paternidade
seja uma hipótese besta mesmo. E, como é mais provável, culturalmente impressa
em nós. E não algo genético. Nunca devemos nos esquecer que os seres humanos
são um fiasco natural em termos de capacidade física. A cooperação deve ter
sido sim a única alternativa, algo reforçado pelo nosso notório comportamento
gregário. É muito mais razoável que os bebês humanos, dado o estúpido investimento
parental que exigem, tenham sido criados cooperativamente. Ninguém era filho de
ninguém, nem irmão de ninguém, nem casado com ninguém. Éramos todos primos,
tios e sobrinhos. E namorados de todos. O amplo acesso a parceiros sexuais, sem
disputas graves, funcionava como uma cola social.
Num ambiente assim, não enjoamos
sexualmente de ninguém, algo que hoje nem o padre da esquina nega (veja, para
todo homem e mulher estupidamente belo e atraente que vc tenha visto ou ouvido
falar, tenha certeza de que há alguém de saco cheio de trepar com ele(a)). É
que temos uma natural aversão sexual crescente a tudo que é vai-se tornando
muito familiar, uma boa e simples maneira de evitar as consequências nefastas
da endogenia. Freud que me perdoe, mas quem sente tesão pelo pai ou pela mãe?
Por irmãos já é difícil também. Mas por um primo ou prima, até balançamos. Por
um vizinho ou vizinha, bem…
Até que descobrimos a agricultura,
imprimimos fortemente então a noção de posse e a religião passou a nos dizer
que sexo é apenas para reprodução. Traímos por tesão mesmo, somos seres hiper
sexuais, a maioria vivendo em uma eterna dieta de 200 cal.
Felicidades no seu casamento! Mas
lembre-se, é necessário muito amor, esforço, carinho, dedicação. Porque a
natureza simplesmente vai sabotar tudo, esteja certo disso. Boa sorte.
[]s,
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