Sentido da Vida – O problema do escravo
Sempre achei O Sentido da Vida um tema bastante estéril, sobre o qual nada que não fosse trivial ou que não fosse ao melhor (ou pior) estilo auto-ajuda pudesse ser dito. Ou, é claro, que não estivesse sendo tratado sob uma perspectiva religiosa. Mas agora já não penso assim. Até onde eu tenho conhecimento, esse tema parece ter voltado a ganharimportância desde o artigo Absurd, de Nagel, que foi objeto do post anterior.
Acabo de ler 2 textos de Susam Wolf (SW)[1] sobre esse tema e achei interessante fazer alguns cometários. Sobre os 2 textos, tenho que o primeiro, O Sentido da Vida, apresenta bem o problema e menciona como ele é hoje abordado, ainda que não aprofunde a questão (até pelo tamanho do ensaio). É uma espécie de introdução (atual) ao tema, e bastante calcado no artigo de Nagel, aqui citado.
Mas acredito que no segundo, Os Sentidos da Vida, ela, e quem fizer esse tipo de abordagem, comete um erro inescapável. No primeiro texto ela adota o que seria uma meta-abordagem, ou pelo menos essa introdução assume tal perspectiva, algo como perguntar o que seria o Sentido da vida. Mas no segundo ela adota uma abordagem aplicada, ao tentar oferecer uma resposta sobre qual é ou poderia ser o sentido da vida.
Apesar de cercar-se de cuidados ao tentar oferecer uma resposta, ela comete um pecado capital sempre que alguém tentar oferecer alguma resposta a essa questão e pretender dar a isso qualquer universalidade. Ou, sempre que alguém se dispuser a dar uma resposta objetiva a isso. SW propôe o seguinte:
Uma vida significativa é a que se entrega activamente, e pelo menos em parte com êxito, a um projecto (ou projectos) de valor positivo.
O grande problema em abordar o sentido da vida desde um ponto de vista normativo ou aplicado ou ainda objetivo está em que, em última (e talvez única) instância, somente o sujeito pode responder se a sua vida tem sentido. Se assim não for, estamos abrindo a possibilidade de que a vida do escravo tenha sentido. Ainda que isso não seja impossível, não há como honestamente assumir que, sendo um escravo, vc diria que sua vida tem (ou é plena) de sentido. O grande problema do argumento do projeto de valor positivo é que, ainda que essa obra possa ser considerada como algo de valor, o sujeito que se propõe a isso deve estar convicto de que a sua percepção (ou mesmo sensação, termo que me parece mais adequado) de sentido está intimamente ligada ou mesmo que confunde-se com o valor da obra. Se houver uma ruptura entre essas duas percepções, surge a figura do escravo, pois por mais valor que tenha algo a que alguém dedica-se, aquilo pode não estar gerando uma sensação ou constatação íntima de valor. Nesse caso, estou fazendo por obrigação, e essa é a típica condição do escravo.
Alguém que premeditadamente proponha-se a seguir o que sugere SW estará raciocinando mais ou menos da seguinte maneira: o projeto X tem valor positivo, portanto, para que minha vida tenha sentido, devo dedicar-me a isso. O problema em raciocinar-se assim equivale ao que eu havia dito sobre a irracionalidade religiosa, ou seja, quem afirma isso estará deslocando a percepção subjetiva a um ponto de nulidade ou passividade impossível (ou patológica). Acredito que o problema torna-se mais claro quando a pergunta volta-se à identificação íntima, expressa na seguinte pergunta: sua vida tem sentido? Eu considero que qualquer resposta aqui é injustificável. Ela tem o mesmo tipo de problema que a pergunta: como vc pensa? Não há como responder, pois para isso eu precisaria sair fora de mim mesmo e posicionar-me num patamar ultra-racional. Mas não há como expandir esse limite dessa forma, pois eu estaria usando o meu próprio pensamento para explicá-lo. O mesmo ocorre sobre a vida, ou mais precisamente sobre a minha vida. Eu não tenho como sair de mim mesmo para identificar se minha vida tem sentido, pois eu estarei fazendo isso tomando minha própria vida como referência. Não há como erguer-se do chão puxando-se pelos cabelos.
Se a resposta for algo como “sim, minha vida tem sentido porque eu me dedico a um projeto de valor positivo”, isso equivaleria a responder “sim, eu gosto de sorvete porque é bom”. A constatação de sentido na própria vida é algo comunicável e consciente, mas não há como oferecer alguma justificativa que não seja circular. Analogamente, ainda que a vida do paspalho ou do rico fútil (e aqui ninguém melhor do que Paris Hilton) possam não ter valor objetivo (friso ‘objetivo’ aqui), eles podem perceber a si mesmos como vivendo uma vida plena de sentido.
Disso decorre algo que é forte e portanto arriscado afirmar. Eu digo que só faz sentido abordar-se o tema sentido da vida de sob o que eu chamei de meta-abordagem, e mesmo assim a única constatação razoável é que a vida não tem qualquer sentido objetivo. Toda e qualquer intenção de oferecer uma resposta positiva e objetiva a essa questão faz surgir a figura inevitável do escravo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário