Está tudo bem, muito bem
22/05/2012
23h07
Jorge Forbes
Tudo ruim.
Uma doença neuromuscular que mata em média antes dos trinta anos. Associado à
sua paralisia progressiva de braços e pernas, típica da síndrome de Duchenne,
ele, que já não anda mais, ainda tem osteoporose e alterações cardíacas.
Seu pai morreu há poucos meses. Resultado, depressão. Foi demais.
Sua mãe explica, para mim e para ele, que ela conhece bem a doença e sua morte.
Teve três irmãos, todos com Duchene, todos mortos. Um deles morreu no mesmo dia
em que Cristóvão nasceu. Luiza, a mãe, chama isso de presente de grego. Isso o
que? A morte do irmão ou o nascimento do Cris?
Está tudo bem, muito bem. Estava um pouco triste, agora tudo bem. Estou
pensando até em voltar a trabalhar, explica. Sabe que não convence, nem a si
mesmo. Mas quer se convencer, precisa se convencer. Dormir está difícil, o
bipap, respirador artificial, incomoda. Ele já entendeu, está tudo bem. Mas com
bipap, sonhar é difícil.
Mais uma pergunta e ele desabaria. Você é eternamente responsável pela crise
que você provoca, teria dito Saint Exupéry a um psicanalista pronto a uma
interpretação.
Não há chance para Cristóvão. Agarra-se no tudo bem. Acuado no canto exibe seu
último escudo protetor: tudo bem, tudo bem. Como encontrar uma brecha, um
momento de passagem, momento de ficar no ar entre uma apara e outra? Mesmo
quando a morte vem em turma: seu corpo, três tios, alguns primos e mais, ainda
sobra uma incerteza salvadora. Cristóvão mostra a abertura que o bom senso já
teria trancado. Nada a compreender a não ser constatar. A não ser analisar, não
sintetizar. Cristóvão quer trabalho, nós vamos trabalhar.
Luiza, já sabe todos os nomes da morte, são todos nomes íntimos. Mário, João,
Ernesto. Mas chamar urubu de meu loiro, não afasta o urubu. Cristóvão não
aguenta mais Luiza. Luiza não aguenta Luiza. Ela também vai se tratar.
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