segunda-feira, 24 de setembro de 2012




A caixa de do esqueleto


Olhei para Olavo, meu amigo da politécnica e disse.
-Olavo, se você tiver um filho e ele for para universidade, nunca deixe dividir um quarto com pessoas esquisitas.
Olavo estava ali para jogar conversa fora, sempre que era sexta à tarde a gente se encontrava naquele bar, ficava ali falando de mulher, cerveja, futebol e política, nada serio, só esquentando o banco e tomando uma gelada. O nosso grupo tinha cinco integrantes quando estava completo, mais habitualmente três, eu o Olavo e Maria Cecília, professora de português, o Olavo ensinava desenho técnico, eu, Carlos Maia, esse é meu nome de batismo, teria que ter o sobrinho na frente, pois esse também é o nome do meu tio, irmão da minha mãe, mas ficou Carlos Maia. Leciono matemática e lógica.
-Como assim? – Perguntou Olavo, quando eu já nem me lembrava do que tinha falado.
-O quê?
-Esquisito, como, doido, maconheiro, sabe lá? – Olavo era preconceituoso, gays, lésbicas, maconheiros e negros, eram  a mesma minoria chata, além das feministas, essas deveriam ir para o inferno, estavam atrapalhando a boa mulher que ia para o fogão e não perguntava onde o marido estava bebendo,não queriam saber do salário dele, nem do perfume esquisito na manga da camisa.
-Góticas, sei lá, vou te contar uma historia – quando ia começar a Maria Cecília chegou.
-Estão conversando sobre mulher, esse – apontou para o Olavo – é o maior troglodita, reacionário e homofóbico que eu conheço, além de tudo é careca. Você sabia que você é uma minoria?
Olavo para provocar superioridade masculina segundo ele, garantida pela bíblia, assoviava a musica “é dos carecas que elas gostam mais”.
-Vocês vão brigar – disse tomando mais um chope – já ia começando a contar a historia da faculdade, do tempo em que dividia o quarto com duas meninas estudantes de medicina.
-Garçom não atende mulher, chama você o garçom que estou morrendo de sede- disse Maria Cecília batendo na careca do Olavo.
O garçom, que era mineiro, todo mundo que frequentava o bar  chamava de Paraíba, trousse o chope da Maria Cecília e comecei a contar a minha historia.

O Ano 1982, o Brasil perdia a copa do mundo que deveria ter ganho, a gente estava fervilhando na universidade,livros,drogas,rock, o marxismo, de fato concreto nas vidas das pessoas e de transformação, tinha se tornado ideologia barata e programam partidário.
Carlos Maia, “meia direita” do time politécnico, jogador mediano de xadrez, me lascava no oitavo período de matemática, considerando que a minha escolha tinha sido a pior escolha profissional possível, nem tinha ideia que a matemática era tão difícil, no segundo grau parecia fácil, mas era tarde demais para desistir,cheguei ao oitavo período sem entender metade do que me ensinavam,nem pergunte com?
Meus pais moravam no interior, aluguei um apartamento de frente para universidade, mas o aluguel estava caro demais, foi quando veio à ideia de colocar um anuncio no jornal, divido quarto, preferência homens solteiros.
O Primeiro que se apresentou foi um estudante de química, mas ele fumava demais e eu tinha asma, quer dizer ainda tenho, cigarro acabaria com o meu sossego respiratório, não deu certo, depois apareceu, Marcileia, mas ela não estudava, e fazia programas, minha mãe não deixou, naquela época, conforme a conveniência eu ouvia a minha mãe. Um dia de chuva dez horas da noite bateram a campainha do apartamento, logo tive a impressão de ver duas pessoas,abri a porta apenas uma moça, vestindo preto, com olhos verdes e um rosto muito pálido apareceu.
-Tem mais alguém com você? – perguntei.
Ela riu – Todo mundo pergunta isso.
-Você veio pelo anuncio.
Ela entrou, vestia calça e blusa preta, tinha os cabelos castanhos, uma maquiagem pesada, como se tivesse ficado acordada a noite, sua pele era clara, mais que  pálida braça glacial, parecia até que ela tinha passado um pó branco,ou maquiagem, mas no final achei bonita, acho que como Olavo tenho meus preconceitos, seu sorriso era perfeito e tinha um ar misterioso.
-Estudo medicina, eu e minha irmã, estamos desesperadas, o curso acabou, precisamos de um lugar por seis meses para estudar para residência.
-Você tem uma irmã?
-Gêmea, mas não idêntica, mas as pessoas acham as duas muito parecidas uma com a outra – ela riu, achei o sorriso bonito e modificava o semblante pesado – Todo mundo acha gêmea parecida, não é?
-Você é gótica, não curto drogas, nem cigarros – olha a minha manifestação preconceituosa, que nunca consigo controlar.
-Não se preocupe, não sabe aquele ditado as aparências enganam – ela fez um gesto que demonstrava que havia se lembrado de alguma coisa – Gosto de anatomia, então trago comigo um esqueleto que estudo todas as noites, nunca se sabe talvez você se importe, talvez não se importe?
Um esqueleto, isso era legal?Uma pessoa pode, sem o consentimento legal, andar com esqueleto humano, queria perguntar isso para ela, mas fiquei hipnotizado pelo seu olhar e disse que se fosse por seis meses pra mim tudo bem, elas ficariam com a suíte e eu com quarto dos fundos, que era maior e tinha banheiro próprio.
Elas chegaram num sábado, conheci a irmã, realmente muito parecida, porém de cabelos lisos e olhos pretos, vestia-se com uma roupa leve, um vestido azul descontraído, parecia muito mais jovem e bonita, sorriu muito mais, meu coração começou a sair pela boca quando ela me falou.
- Minha irmã não me falou que você era tão bonito!
-Todo mundo me chama de Nerd cabeção, não sou bonito, meu apelido na politécnica é cálculo.
-Sei lá, acho que você tem ai uma coisa que atrai as mulheres,me diz? Quanta namorada você teve?
-Umas dez – menti, até aquele momento, sem contar com a empregada doméstica da vovó, nenhuma.
-Viu!Don Juan acho que você é bem novinho, quantos anos você tem, doze? – disse ela pegando nos meus óculos e deu uma gargalhada, me senti ofendido, depois me beijou no rosto, então me acalmei.
-Vinte, fiz em fevereiro.
Claro que dali em diante Marta a irmã clara e alegre era a minha favorita, mas eu só via Marta à noite, ela saia e sempre voltava com um cara diferente, aquilo estava me incomodando, mas ele não ficava, ia até a porta e depois de beijar Marta ia embora, não entrava, não atentava contra a moral e os bons costumes, ela entrava dizia oi, tomava uma água ia deitar, pela manhã aparecia Nívea, como se ela estivesse em uma balada na noite anterior, perguntava pela irmã ela sempre respondia.
-Aquela?Vai me dizer que você não sabe a hora que ela chegou?
Outra coisa, meu apartamento pega o sol da tarde, tinha a fama de ser quente, naqueles dias estava muito frio, um frio tão grande que eu só andava de agasalho, liguei para o vizinho do lado, Seu Onofre.
-Seu Onofre, o senhor está com frio?
-Que Pergunta é essa – seu Onofre era bombeiro aposentado, tinha mania de doença, pegou o termômetro e foi até a minha casa.
-Oh Carlos, tem alguma coisa podre dentro da geladeira – ele foi logo abrindo a minha geladeira – alguma pizza da semana passada, um feijão de sete dias, vamos rezar a missa de sétimo dia dele, esse é o cheiro mais nojento que já senti, a verdade é que parecesse que tem alguém morto aqui, isso me lembra uma vez que fui resgatar um acidente de carro que as vitimas já tinham dias de desaparecidos, aquilo era fedor, esse fedor está muito parecido, pode procurar.Meu filho, tem um bicho morto em algum lugar por aqui.
-Que cheiro o senhor tá falando seu Onofre, estou com frio.
-Frio!Você deve estar gripado – pegou o termômetro e colocou no meu braço.
-O senhor não está sentindo o frio?
-Não, só esse cheiro podre – ele foi até os dois banheiros e deu descarga – deve ser o local de respiração do bueiro, deve estar voltando tudo para cá, vou vê isso com o sindico – pegou o termômetro na minha axila e disse – não disse trinta e oito, vou te dar uma aspirina e alguns antibióticos, quando estou doente tomo logo três, eu acredito nos antibióticos, eles vão salvar o mundo.
Outro dia parei Marta, assim que ela entrou toquei o braço dela, senti aquele frio, mas não importava, estava quente por nos dois.
-Poderia conversar comigo um pouco?
Ela me olhou com ternura, meu coração começou a bater rápido novamente, Marta tinha aquele jeito de me olhar, parecia estar tão feliz com a vida, tanta vontade de viver que contagiava.
-Fala  meu amor.
-Queria sair para comer uma pizza, a gente  poderia conversar – ela olhou para o relógio.
-Agora?
-Pela manhã – ela me olhou com surpresa.
-Quem é que come pizza pela manhã, Carlos Maia, isso é coisa de Nerd que vai ficar gordo?
-Quero dizer à tarde, sei lá.
-Vou pensar – ela saiu e me beijou no rosto, a pele dela era fria, mas o contato me aqueceu.
Seu Onofre, o raio que o parta, chamou nada mais nada menos que minha mãe que despencou do interior de ônibus, com vinte malas e chegou à minha casa sem avisar.
O fofoqueiro do Onofre disse para minha mãe que tinha alguma coisa podre dentro do meu apartamento, duas mulheres vestidas de forma provocante, que ele não tinha visto nem em revista aqueles figurinos, achou que a coisa branca encima da mesa poderia não ser açúcar, o filho da Dona Fernanda era muito feio, se ela se descuidasse de mim poderia cair no mundo da perdição, ele não tinha filhos mas tinha experiência de bombeiro civil aposentado, minha mãe muito amiga do Onofre, despencou do interior e resolveu fazer uma visita de surpresa.
-Que cheiro é esse? – Disse, me beijando e ao mesmo tempo falando.
-Foi o fofoqueiro do seu Onofre, ele que ligou para a senhora?
- Não implica com Onofre, ele tem vasta experiência de bombeiro.
-Está tudo bem.Foi só uma gripe.
-Foi, mas você nunca foi tão descuidado, isso é na cozinha ou no banheiro, chamei a Cleuza pra ajudar a fazer uma faxina e colocar tudo que não presta fora, Onofre também me falou que você divide o quarto com duas moças, aqui não tem nenhuma indecência, tem Carlos?
-Olha para mim, sou cristão – disse pra minha mãe, claro que bem eu tinha vontade de que tivesse acontecido um monte de indecências – vou a igreja estou até me confessado.
-Que bom.
Nívea entrou na sala, ela estava vestindo o seu modelo negro, porem parecia menos cansada, sua face estava mais jovial, parecia liberta do peso, talvez tivesse passado na prova de residência, quem sabe?
-A senhora deve ser a mãe de Carlos?
-E você deve ser a companheira de quarto, uma delas, onde está a outra?
-Minha irmã viajou, aliás, estou de partida, viajo essa noite.
Fiquei atordoado, como partir? Elas ficariam seis meses? Só haviam se passado dois.
-Vim fazer uma faxina, o Onofre exagerou sobre o cheiro, não sinto nada – disse minha mãe indo para cozinha aproveitei para falar com Nívea.
-Você vai partir hoje? Marta não se despediu de mim, poxa eu gosto tanto dela por que a pressa?Quero ser amigo de vocês, não se preocupa com a minha mãe ela vai embora logo,é totalmente inofensiva – aposto que naquele momento estava com lagrimas nos olhos -  não tenho muitos amigos, poderiam ficar um pouco?
Nívea  olhou para cozinha calculando mentalmente a distancia entre ela e minha mãe, para ver se havia possibilidade de minha mãe escutar o que ela me falaria e disse.
 -Carlos, lembra-se da minha caixa, quero que entregue para a policia, acho que não vou precisar mais dela, você vai procurar o investigador Dalto Morais, ele já sabe do que se trata você não vai sofrer nenhuma penalidade, não se preocupe. Por favor, para o seu bem não abra a caixa.
Maria Cecília me perguntou:
-Você abriu a caixa?
-Abri.
Antes deixa terminar de contar, entreguei a caixa para o investigador, que não falou uma só palavra, depois li no jornal que ele havia confessado o crime, havia assassinado as duas irmãs.
Aquela noticia do jornal, eu não me lembro de tudo, da forma que vou contar parece caricatura, mas falando em poucas palavras, era assim:
“Investigador de policia confessou ontem assassinato de estudantes, gêmeas, que faziam o curso de medicina, as duas meninas estavam desaparecida desde agosto de 1980, filhas de um conhecido médico, que após o sumiço das duas nunca se recuperou, morrendo em seguida de um infarto do miocárdio, a surpresa é que o crime já era considerado solucionado, um andarilho de nome Pedro, havia sido preso pelo policia era tido como culpado, o delegado encarregado do caso se nega a dar entrevistas, ontem mesmo, por ordem judicial e pressão da impressa, Pedro  foi solto e o estado já pensa em uma indenização para os dias em que Pedro ficou preso, outra surpresa o investigador era amigo da família, havia crescido com as jovens, um crime brutal”.
-O que tinha na caixa?
-Apenas dois vestidos e ossos, muitos ossos.

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